domingo, 12 de julho de 2009

JOVEM MÃE


Jovem mãe


Dez horas da manhã e Carla*, 14 anos, chega com
sua mochila em formato de urso de pelúcia à
Maternidade Oswaldo Nazaré, na Praça XV,
acompanhada da mãe para assistir ao curso
oferecido às gestantes adolescentes



Enquanto o pediatra Arnaldo Bueno dá dicas de como cuidar do bebê recém-nascido, Carla*, no sexto mês de gravidez, olha com ternura para a mãe várias vezes. As duas sorriem e fazem comentários durante o curso. Ao seu redor, estão mais de 20 jovens grávidas entre 12 e 19 anos.
Algumas estão sozinhas. Outras ouvem a aula sob o olhar desconfiado de uma acompanhante, sem sorrisos e sem comentários.
É o caso de Maria*, 15 anos, que chega pela primeira vez à maternidade com cinco meses de gravidez: “Só agora eu tive coragem de contar para a minha mãe. Fiquei com medo de ser expulsa de casa”. Maria* diz que conhece todos os métodos contraceptivos, mas não os usou porque achava que nunca ficaria grávida.
As histórias de Carla e Maria formam dois lados diferentes da mesma moeda: a gravidez na adolescência. Assim como elas, cerca de 300 meninas mães, de 11 a 19 anos, freqüentam por mês a Maternidade Oswaldo Nazaré, referência no município do Rio de Janeiro no atendimento a adolescentes. As jovens mães já somam 20% da clientela total da unidade. “O grande desafio é entender que essas meninas ainda não são mulheres”, explica Maria Helena Alves Pereira, psicóloga e coordenadora do Programa de Atenção à Adolescente da maternidade. “Muitas vezes, o profissional de saúde interpreta aquela gravidez como um mero ato de irresponsabilidade.
Isso é um grande erro que vai influenciá-lo na hora do atendimento. Quando uma jovem procura o serviço de saúde, ela está pedindo ajuda. Nesse momento, o nosso desafio é olhá-la com respeito e carinho”, afirma a psicóloga, que mantém constantemente a porta de sua sala aberta para as meninas grávidas. “O profissional deve receber treinamento e ter afinidade para trabalhar com jovem. Devemos promover um acolhimento sem o viés da crítica”.

Gravidez na adolescência: uma questão multifatorial
Para Maria Helena, a causa da gravidez na adolescência é composta por diversos fatores, que vão desde questões biológicas à falta de um outro projeto de vida. “A falta de acesso à educação é um fator primordial.
Muitas meninas, quando chegam na maternidade, já abandonaram a escola. Isso traz reflexos negativos para o seu futuro”. Preocupada com esta questão, Maria Helena incentiva as jovens a retomarem os estudos enquanto fazem o pré-natal, chegando a visitar escolas quando é necessário.
A psicóloga ressalta também que a gravidez na adolescência representa, principalmente para as jovens de baixa renda, uma oportunidade de ascensão social: “Algumas afirmam que conseguiram o respeito de suas famílias e de suas comunidades depois que ficaram grávidas”.
Uma relação familiar difícil também é um aspecto analisado por Maria Helena: “Muitas adolescentes não conseguem conversar sobre sexualidade com os pais. Quando engravidam, ficam com medo da violência doméstica e não revelam que estão grávidas.
Isso retarda o pré-natal, podendo trazer complicações para a saúde da jovem e do bebê”.
A pesquisa Gravidez na Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil (UERJ/ UFBA/UFRGS) identificou que 30% das mulheres que ficaram grávidas até os 20 anos nunca tinham conversado com suas mães sequer sobre menstruação. Os pais são ainda mais ausentes. “Quando há algum tipo de conversa, ela é sempre por parte da mãe”, garante a antropóloga e coordenadora do estudo, Maria Luiza Heilborn, que ouviu 4.634 jovens do Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre.

Grávida também ficava sua avó
Através de uma retrospectiva histórica, no final do século 19 e início do século 20, as mulheres tinham filhos com, em média, 15 anos de idade porque se casavam muito cedo. Atualmente, as mulheres em geral buscam diferentes perspectivas de vida.
Porém, em todo o mundo, o número de adolescentes grávidas aumenta a cada ano, apesar da divulgação e acesso a métodos contraceptivos. “A gravidez de uma adolescente nem sempre é indesejada. Várias meninas demonstram para nós o desejo de ser mães. Outras, descobrem esse desejo ao longo da gravidez. Nós, profissionais de saúde, precisamos colaborar para que essas meninas consigam escolher a hora em que desejam ser mães”, diz a psicóloga da Oswaldo Nazaré.
No Rio de Janeiro, dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) revelam que cerca de 18% dos nascidos vivos são filhos de adolescentes até 19 anos. Nesses bebês é maior incidência de baixo peso, prematuridade e asfixia, em relação às faixas etárias de 20-30 e 30-39 anos. Vários estudos mostram que os aspectos biológicos têm influência discreta sobre peso e duração da gestação. Quando recebem atenção qualificada e apoio social, as adolescentes apresentam desempenho semelhante ao das mulheres de maior idade. Segundo o SINASC, essas jovens também apresentam menor freqüência ao pré-natal, o que traz para as unidades de saúde o desafio de qualificar seus serviços para garantir a adesão das gestantes adolescentes.

Fala menina
“Antes de chegar aqui na Maternidade Oswaldo Nazaré, fiquei das 7 da manhã às 3 da tarde aguardando atendimento num posto perto da minha casa. Uma falta de respeito”.
Rosa*, 15 anos.
“Quando eu fui com uma amiga ao ginecologista do posto, as enfermeiras falaram bem alto que a gente só poderia estar grávida. Fiquei com tanta vergonha que acabei voltando pra casa”.
Érika*, 16 anos.
“Sinto mais carinho por mim e pelo meu bebê depois que cheguei aqui”.
Luíza*, 15 anos, sobre a Maternidade Oswaldo Nazaré.
* Nomes fictícios.

Garanta os direitos das jovens grávidas
> Nos serviços de saúde, a jovem deve ser tratada com respeito e receber atendimento adequado.
> O profissional deve preencher o “cartão da gestante” e orientar a jovem para levá-lo à maternidade na hora do parto.
> Toda a gestante tem o direito de continuar estudando. O profissional de saúde deve estimulá-la a freqüentar as aulas até o 8º mês de gravidez. Depois disso, ela deve receber a matéria e os exercícios em casa e fazer as provas na escola.
> As adolescentes, na internação para o parto, podem ter um acompanhante.

Estimule o cuidado com a saúde:
> Crie um ambiente acolhedor onde as jovens grávidas possam colocar suas dúvidas e tente esclarecê-las.
> Converse com as jovens que receberam exame de gravidez negativo sobre projeto de vida, cuidados com a saúde sexual e reprodutiva e métodos contraceptivos.
> Estimule as gestantes a realizarem o teste anti-Aids e a buscarem o resultado antes do parto.
> Explique às jovens a importância do uso do preservativo mesmo durante a gravidez, para evitar as DST/Aids .
> Esclareça os riscos sobre o uso de drogas, álcool e cigarro durante e após a gravidez.
As que utilizam devem ter um acompanhamento especial.
> Incentive o aleitamento exclusivo até o 6º mês do bebê e os cuidados em geral com o recém-nascido.
> Oriente a jovem sobre como planejar a próxima gestação e sobre os locais que oferecem planejamento familiar.
> Valorize o pai e a família, promovendo atividades com esse grupo e favorecendo a participação do pai do bebê nas consultas de pré-natal e no parto