domingo, 12 de julho de 2009

JOVENS EXCLUÍDOS OU DISCRIMINADOS


O desafio de cuidar de quem mais precisa


Jovens excluídos ou discriminados têm menos acesso
aos serviços de saúde, apesar de serem
os mais necessitados jovens excluído


O conceito de vulnerabilidade tem sido bastante debatido em encontros e congressos de saúde. Ele está diretamente relacionado a fatores que podem ampliar o risco ou reduzir a proteção de um grupo de pessoas a uma determinada doença ou dano. A proteção é reduzida, por exemplo, se jovens não conseguem acessar os serviços de educação e saúde quando necessitam e se não têm acesso à informação, à educação e aos meios de comunicação.
Marly Cruz, técnica do Programa de DST/Aids do município do Rio de Janeiro e doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), chama a atenção para o caráter relacional de aspectos ligados à vulnerabilidade. Segundo ela, as pessoas mais excluídas ou discriminadas da sociedade serão mais vulneráveis pela dificuldade de acesso a bens e serviços básicos: “Infelizmente, essa é uma contradição que ocorre, principalmente na área de saúde: a tendência é que os mais discriminados tenham menos acesso aos serviços”.
Uma pesquisa realizada pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo comprova essa incoerência. O estudo concluiu que a taxa de mortalidade entre negros é maior que a de brancos. A mortalidade materna entre gestantes negras, por exemplo, representa mais de seis vezes a de grávidas de cor branca. A pesquisa constatou que a diferenciação de causa morte ocorre basicamente por questões sociais relacionadas à menor escolaridade, menos renda e tratamento diferenciado no sistema de saúde.

A diferença entre cuidar e tratar
O grande desafio do profissional de saúde em geral é entender a diferença entre cuidar e tratar. O tratamento é algo pontual, que prevê começo, meio e fim. O cuidado é bem mais abrangente e se constitui em uma atitude. Quando o profissional de saúde se propõe a cuidar de alguém, ele está assumindo uma responsabilidade, um envolvimento afetivo com o outro, aspectos fundamentais, sobretudo para quem trabalha com a população mais vulnerável. Profissionais que investem no cuidado podem construir com os próprios jovens alternativas mais saudáveis de vida.

O cuidado com jovens usuários de drogas
Um dos grupos com maior vulnerabilidade ao uso de drogas é o de jovens. Apesar de ser considerado de difícil abordagem, o trabalho de promoção de saúde entre essa população é fundamental. O Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde possui dois serviços ambulatoriais especializados nesse atendimento: o CAPs ad Raul Seixas e o NAAD/PAM Hélio Pellegrino.


Além disso, o coordenador de Saúde Mental do município, Hugo Fagundes, antecipa que as equipes de Saúde Mental das 64 unidades estão sendo orientadas para acolher e tratar a clientela de usuários de drogas.


“O grande desafio está no trabalho em rede. É necessário integrar não somente serviços da saúde, mas também os diversos recursos da comunidade para o cuidado a esse grupo, afirma o coordenador. “O cuidado dispensado a essa clientela vai muito além dos muros das instituições de saúde”, complementa Ângela Pacheco, assessora da Coordenação de Saúde Mental na Área Técnica
de Álcool e Drogas da SMS.

CAPs ad valoriza o cuidado no acolhimento
Observando que os horários em que os meninos e meninas de rua e usuários de drogas buscavam atendimento não era compatível com o horário convencional, o CAPS ad Raul Seixas mantém uma flexibilidade no acolhimento contínuo dessa população, que pode ser atendida sem a necessidade de marcação de consultas prévias. “Se quisermos oferecer um atendimento efetivo, precisamos nos adaptar à realidade desse grupo”, constata a coordenadora da unidade, Viviane Tinoco Martins. A acolhida no local é feita com o objetivo de demonstrar ao jovem que ele será cuidado e não punido. “Não trabalhamos com a exigência da abstinência porque acreditamos que uma recaída pode fazer parte do processo de tratamento”, explica a coordenadora.



No geral, esse grupo acessa o serviço de saúde através da emergência, em caso de intoxicações. Para Viviane, algumas estratégias precisam ser tomadas nesse momento: “A hora da alta na emergência é um momento muito importante. O adolescente não pode receber alta sozinho sem a presença do responsável ou do Conselho Tutelar. Por isso, na maioria das vezes, muitos fogem com medo de serem punidos, o que dificulta o encaminhamento para a continuidade do tratamento em serviços como o CAPs ad. Nesse momento, precisamos conversar com ele e dizer que essa espera significa um cuidado e não uma coerção”, sugere a coordenadora. “Mesmo que ele volte mais vezes à emergência, esse acolhimento será sempre necessário”.
Apesar do posto de saúde ainda não ser uma porta de entrada para esse grupo, caso isso ocorra, Viviane apela ao bom senso dos profissionais: “Se o jovem chegou sozinho, pedindo ajuda, o profissional não deve ter medo. Um acolhimento cuidadoso pode fazer a diferença na vida desse menino ou menina”.

Com o Rede Acolhedora presta assistência a crianças e jovens de rua
A Secretaria de Assistência Social, através do Fundo Rio, desenvolve um trabalho totalmente voltado à população de rua, chamado de Rede Acolhedora. Essa rede envolve diversos setores da Prefeitura do Rio com o objetivo de desenvolver estratégias para que este público conquiste sua autonomia e tenha acesso a trabalho e educação. A rede é formada por casas de passagem, casa lares, centros de acolhimento e projetos como hotel e boa noite. “Cada serviço é direcionado a uma realidade específica”, explica Marília Rocha, socióloga e presidente do Fundo Rio. A porta de entrada da Rede Acolhedora é a Central de Recepção. Há 6 centrais no município, 5 delas direcionadas a crianças e jovens, com um atendimento orientado à população em situação de vulnerabilidade social.
Os endereços das centrais de recepção estão disponíveis no espaço da Secretaria Municipal de Assistência Social – Fundo Rio –, no site www.rio.rj.gov.br.

Dentescola: um cuidado que vai além da boca
Sexo, drogas e violência. Esses são os temas mais freqüentes no encontro de adolescentes promovido pelo projeto Dentescola no Posto de Atendimento Médico (PAM) Hélio Pelegrino. “Cuidar da saúde bucal vai além de tratar apenas os dentes e a boca. Para uma pessoa ter um belo sorriso, ela precisa estar bem consigo mesma”, afirma Suzana Marques Ferrazani, odontóloga e chefe da
seção de saúde bucal do PAM.
O projeto Dentescola, que tem como proposta promover a saúde e a cidadania no espaço escolar, foi implantado há dois anos no Hélio Pelegrino e se transformou em um belo exemplo de cuidado com o jovem.
Inicialmente, o projeto previa a intervenção em escolas de bairros adjacentes.
Porém, a equipe resolveu inovar, formando um grupo de jovens dentro da unidade para discutir estratégias de promoção da saúde. “Não somos profissionais de boca. Vemos o paciente na sua totalidade”, acrescenta Silvya Tristão, coordenadora do grupo. “Recebemos um grupo bem diversificado de adolescentes, inclusive meninos e meninas de rua ou de abrigos próximos ao PAM. Essa diversidade é um dos fatores que garantem a resposta do nosso trabalho. Nós propomos as dinâmicas, e o trabalho flui muito bem.
Assim, damos a eles a oportunidade de desenvolverem um pensamento crítico sobre suas vidas e de optarem por escolhas mais saudáveis”, relata a coordenadora, que recebe, em média, 25 jovens por semana. É bom lembrar que dentes e bocas são constantemente vistos e tratados. “Oferecemos um acolhimento carinhoso e democrático. Por isso, os jovens se sentem envolvidos
por nosso trabalho”, conclui Silvya.